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11 janeiro, 2019

O zé povinho e a dança das armas

No bairro Barroso II, ruas completamente às
escuras,  com lâmpadas quebradas


Publicado  aqui e no site Segunda Opinião, em 11/01/19 e no Blog do Eliomar/Portal O Povo, dia 13/01/19

Na gíria do crime, as pessoas comuns, que não são do meio e nem ligadas ao aparelho repressivo do Estado, são conhecidas como “zé povinho”. E somos nós, os“zé povinho”, os que mais têm sofrido com o inferno dos ataques criminosos no Ceará.

As facções foram chamadas para o enfrentamento aberto através das declarações e ações do secretário de Administração Penitenciária do Estado (SAP), Luís Mauro Albuquerque no dia 2 de janeiro. Desde então a rotina tem sido alterada por fogo, bombas e medo.

Os criminosos, que iniciaram seus ataques contra alvos tradicionais como ônibus, bancos e delegacias, passaram ao longo destes dez dias de inferno a fazer ataques indiscriminados e que não repercutem junto ao Estado e nem ao status quo, que são em boa parte responsáveis pela situação caótica em que estamos.

Queimaram o ‘Carro dos Churros”, no bairro Granja Lisboa, no Grande Bom Jardim.

Atearam fogo em um carro de uma auto escola, no Jangurussu, e o instrutor ficou com queimaduras graves.

Incendiaram o caminhão que puxava o “trenzinho da alegria”, em Maracanaú.

Tocaram fogo em uma van de transporte escolar, no Mondubim.

Depredaram uma creche mantida por uma igreja evangélica, na Sapiranga.

Como vão sobreviver estas famílias e outras que tiveram seu ganha pão transformado em cinzas?

Mas os danos não são somente patrimoniais e físicos. São psicológicos. São direitos essenciais negados, como o direito de ir e vir e de ter fornecimento de água e luz.

Tenho um amigo que ao falar sobre os ataques ou qualquer coisa relacionada aos mesmos, tem de cochichar no telefone, pois é vizinho de porta de um olheiro de facção.

Outra, não dorme mais à noite com medo que invadam o condomínio simples em que mora na periferia e a queimem viva com seus dez gatos (já houve ameaças).

Uma terceira, que se sentia relativamente segura por fazer trabalho assistencial com filhos de criminosos, agora está em pânico pois quebraram todas as lampadas do seu bairro e os faccionários mandaram os trabalhadores pararem uma obra ao lado de sua casa, sob pena de levarem bala.

O transporte coletivo, que é serviço essencial e em grande parte integrado pela frota de ônibus, tem causado imensos problemas a usuários. O Sindiônibus manda recolher os veículos a qualquer hora, deixando a população na rua e a mercê dos bandidos. Pela manhã, muita gente chega atrasada ao trabalho e leva bronca sem ter culpa. Quando chega o fim da tarde não sabe se consegue ônibus para retornar para casa e no dia seguinte começa tudo de novo. Uma senhora cadeirante, de 44 anos, esperou um coletivo por mais de uma hora à noite no terminal do Conjunto Ceará. Ao não conseguir embarcar, ligou para o marido que veio buscá-la e voltou para o Bom Jardim empurrando sua cadeira de rodas, por ruas escuras e em um percurso que demora aproximadamente duas horas.

Em Taquara, município de Caucaia, desde o dia 8 que criminosos cortaram a fiação dos postes e as residências encontram-se sem energia elétrica. Ligações seguidas para a Enel, empresa responsável pela manutenção elétrica e que assumiu serviços após privatização do setor, se mostram inúteis. Situação se repete em outros locais de Fortaleza e Região Metropolitana. Tanto a Enel como o Sindiônibus alegam insegurança para a suspensão no fornecimento de serviços. O lixo também não foi recolhido em vários bairros.

Por toda a periferia, comércios são obrigados a fechar e o toque de recolher é imposto.

Servidores municipais trabalham com medo em postos de saúde e hospitais e a Prefeitura de Fortaleza está sendo cobrada a garantir efetivamente a segurança dos mesmos, coisa que ainda não fez.

Antes dos atuais ataques criminosos, as chacinas, a expulsão de famílias de suas casa, os assassinatos, a tortura e a crueldade se transformaram em rotina na periferia de Fortaleza e em cidades do interior.

E as facções não chegaram a essa posição de domínio sem a cumplicidade do Estado. Desde os desembargadores que venderam liminares para soltar traficantes e que foram “apenados” com aposentadoria compulsória, passando por policiais, agentes penitenciários e outros, a banda podre do Estado tem sua parcela de culpa e esta não é pequena.

O governador Camilo Santana, que hoje culpa presidentes da República por não terem dado atenção ao problema de segurança, agiu da mesma forma e praticou por um bom tempo a política da avestruz na área.

A barbárie mora ao lado e cada vez mais mostra sua cara. Não se sabe até quando os ataques continuarão. Mas para o “zé povinho”, já deu e sobrou.

Não tenho dúvidas que somente com aumento da repressão e política de encarceramento em massa a questão da criminalidade não será solucionada.

O problema da violência só se resolve com mudanças nas relações sociais, tão estruturadas pela cobiça, pelo capital e pelo poder. Nesse contexto, facilitar a posse de armas para os mais privilegiados nada mais é que ampliar a guerra contra os mais pobres, ou bem dizer, os "zé povinho". Em um estado e em uma cidade marcados pela gritante desigualdade social, fazer dancinha simulando apontar armas, assim como fazem os endinheirados, é um prenuncio da barbárie que se avizinha.

03 janeiro, 2019

Ceará pode virar novo laboratório para intervenção militar

Coluna de viaduto na BR 020, após explosão de bomba no local.
Viaduto segue interditado.
Fortaleza, 3 de janeiro de 2019

Circulam na cidade de Fortaleza e em grupos do WhatsApp, três salves (informes) assinados pelo “crime organizado” e datados de 23 e 28/12/18, e de 03/01/19.

Nos dois primeiros, o chamado “crime organizado” pede para uma trégua temporária na disputa entre facções e a união para enfrentar o problema da repressão que deve se aprofundar no sistema prisional, citando especificamente o governador Camilo Santana (PT) como responsável por “trazer problemas”.

Há ameaças de parar o estado explodindo viadutos, pontes, trilhos de trem e metrô, caso sejam atacados. Acirramento.

Durante sua posse, dia 2, o titular da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado (SAP), Luís Mauro Albuquerque, fez questão de afirmar que "Eu não reconheço facção. O Estado não deve reconhecer facção. A lei não reconhece facção”. Acrescentando ainda que “Quem manda é o Estado". Em seguida sinalizou que mudará o modo como o Governo do Estado lida com a divisão de detentos nas unidades prisionais do Ceará, colocando doravante detentos de diferentes facções no mesmo presídio. Com isso, o secretário acendeu o barril de pólvora.

Durante a noite do dia 2 e o dia 3, que ainda não terminou, Fortaleza e a Região Metropolitana estão vivendo horas de terror. Bomba em viaduto; ônibus, casas, veículos públicos, fotossensores e van incendiados; agência bancária metralhada; princípio de rebelião em presídio e população em pânico.

Por volta do meio dia, a Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), sem dúvida seguindo diretriz do Sindicato das Empresas de Ônibus (Sindiônibus), anunciou que a frota de coletivos de Fortaleza e RMF seria reduzida, o que é um eufemismo para dizer que os ônibus vão praticamente parar de circular.

Procurado pela imprensa na manhã do dia 3, o secretário que fez bravata dizendo que não reconhece facção, preferiu calar e aguardar.

Ainda nesta manhã, general Theophilo, que disputou o Governo do Ceará com Camilo Santana e tinha como plataforma principal a Segurança Pública, ofereceu ao governador ajuda através de intervenção federal. O general foi recém empossado por Bolsonaro na Secretaria Nacional da Segurança Pública, tendo saído antes do PSDB, partido pelo qual foi candidato.

À tarde, Camilo Santana pediu ajuda ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Camilo pleiteou o auxílio da Força Nacional de Segurança, do Exército e da Força de Intervenção Integrada (FIPI), da qual o secretário Luís Mauro foi coordenador, agindo inclusive durante motins em presídios cearenses em 2016.

De imediato, o general Theophilo “informou que o Governo Federal já esperava ações de facções criminosas em represália à posse de Jair Bolsonaro (PSL)”. Isso parece um tremendo oportunismo político. Em nenhum dos salves que vi se faz qualquer menção a Bolsonaro ou a seu governo.

No terceiro salve, com data do dia 3, os criminosos pedem a demissão do titular da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado (SAP), Luís Mauro Albuquerque e ameaçam parar o estado atacando também bancos, delegacias e Correios se isto não ocorrer.

O general também declarou que "Não vamos negociar com criminosos, vamos partir para o confronto".

Quem ganha com isso? Embora tenha sido duramente criticada pelo general durante a campanha eleitoral para governador do Ceará, a política de Segurança Pública de Camilo Santana é muito similar ao que prega Bolsonaro. E tem sido um completo fiasco, deixando o estado afogado em sangue (só em 2018 foram mais de 4500 assassinatos). O governo fracassou também no enfrentamento às facções, inclusive quanto estas foram abertamente para o confronto nas ruas.

Enquanto escrevo este artigo, no final da tarde, recebo relatos de vários pessoas que não estão conseguindo pegar ônibus para voltar para casa e nem sabem como vão trabalhar amanhã. Em vários bairros de Fortaleza e da RMF, os ônibus pararam de circular às 14h. Agora há pouco recebi informação de um sequestro contra funcionários de uma escola municipal no bairro Canindezinho, em Fortaleza.

Já existem pessoas feridas em decorrência das ações criminosas e o clima de temor é geral. Por enquanto a polícia prendeu 12 pessoas, supostamente envolvidas nas ações, o que é quase nada, considerando o número de faccionários existentes hoje no estado.

Enquanto o governador, o secretário, o general e o ministro fazem política e ameaçam transformar o Ceará em um novo laboratório para intervenção militar, como ocorreu no Rio de Janeiro,  e os criminosos continuam tocando o terror, a única certeza que temos é que mais uma vez quem mais vai sofrer é a população pobre, que depende do transporte urbano para se locomover, que é vítima da violência (inclusive policial) na periferia e em nome da qual todos falam, mas poucos se importam de fato com o que acontece a estas pessoas.


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