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Créditos: APIB |
Foto: Luís Marcos |
Nessa semana de morte, abro espaço no blog para um texto do parceiro Luís Marcos, que celebra a vida em nossa aldeia. Publicado em 20/04/21.
As palavras de molho. Os dias de calor e o asfalto alencarino, zumbindo nos ângulos urbanos. O que é que você me diz da gente dar uma esticada até aquele bar e tomar umas doses? As ruas locais suando em bicas esse sol todo dá cinema no ato. Enquanto eu virava a terceira dose e atirava o caroço de umbu naquele terreno abandonado.
Agora qualquer semente é importante em uma cidade que decepa árvores à toa. Um fogo dentro da alma lembrando os ancestrais Tucarijus rodando por essas áreas e fazendo churrasco de gente, comendo-lhes as almas e a carne e quem sabe até as vísceras.
Hei véi da pra trazer uma panelada pra nós? E o parceiro rindo de canto, feito um jagunço, porém demostrando um certo ar aristocrático nos papos.
Eu ali colado ao balcão, rindo por dentro. Bordunas rachando quengos, flechas abrindo brechas, isso tudo pra lá de cauim; e os branquelas querendo detonar os bugres, esses negros sem alma!
E aí chegado vamos tomar mais umas aqui ou descamba pra outro bar? Assim nos vamos por outras paisagens. O índio velho mescla-se ao meu gole violento e essas ruas já foram palco de acirradas contendas.
E nós nem sabemos falar quase nada do dialeto da nossa gente. Eu gosto é dessas ruas mas sei que em cada curva e cada ângulo foi projetados pela sanha que também veio pela Costa. Porra esse Sol me cai bem! Hei deixa de ficar alucinando e vamos por aí nas nossas naus de álcool, pra celebrar a onda dos bugres e dos branquelas, isso sem esquecer o nosso quintal.
Eu piso com algum receio o asfalto evoluído de Fortaleza; vez ou outra as ruas e recantos me fisgam sem o menor valor estético e se armam pra mim como o berro dos silvícolas no fervor de uma batalha.
Vamos nessa pivete e não esquece que a nossa procura é outra. O pior de tudo é que a minha ligação xamânica com o passado me entorta pelos locais nada turísticos da cidade. Nosso encontro é com o crepúsculo e a cada onda que quebra na praia é como um verso impossível de ditar ou escrever.
A viagem toda é o crepúsculo envergado no arco da madrugada.
Para o Cartaxo de Arruda Júnior e ii memoriam de Airton Monte.
Luis Marcos
Neste 1º de abril de 2021, Dia da Mentira e aniversário do golpe militar-civil de 1964, aproveito para publicar posfácio que fiz para o Dicionário Involucionário, do Felipe Franklin Neto. O livro foi publicado em 2019, mas continua bem atual. Segue o texto e #ForaBolsonaroGenocida
2013: milhões nas ruas do Brasil. Milhares nas ruas de Fortaleza. Os manifestantes não sabiam ao certo o que queriam (não era por vinte centavos), mas o que não queriam sim. O catalisador foi a Copa das Confederações.
Os protestos tiraram o sono da elite, dos políticos, dos especuladores, dos que se acham donos do Brasil. E eles entenderam o recado e o risco que as ruas representavam.
Nas manifestações com pauta difusa, já existia o germe desse protofascismo que vivemos em 2019. Brancos enrolados em bandeiras verde e amarelo manifestando sua tara por fardas e entregando os pivetes pretos da periferia aos policiais (infiltrados ou não). Carreiristas descarados usando grupos do Facebook para mentir, canalizar a revolta e fazer sua cavaçãozinha (O WhatsApp ainda não existia). A grande mídia criminalizando protestos e sendo porta-voz dos cidadãos de bem. E os velhos bandidos de sempre fabricando a ilusão da nova política.
Os governos, de esquerda e de direita, mandaram descer o cacete. Tiro, porrada e bomba, como fizeram antes e como fazem até hoje.
Mas nesse Brasil de 2013 também estava a semente do que poderia ter sido e ainda pode. Do enfrentamento ao status quo, do acampamento no parque do Cocó em Fortaleza, das manifestações no Makro, em frente ao Palácio da Abolição, na Serrinha. Um movimento pra negar a barbárie e quebrar a lógica do fim do mundo para onde o capitalismo nos encaminha.
E foi nesse clima que o Dicionário Involucionário saiu. Sociologia poética. Léxico fora da ordem.
Hoje, para compreender a involução que estamos vivendo, é fundamental revisitar, ainda mais de forma divertida e prazerosa, aqueles dias (e noites). (Re)ler os verbetes escritos no calor da hora. Literatura, arte, contestação, filosofia, rebeldia. Escrita automática, sarcástica e humana.
Debord escreveu o Sociedade do Espetáculo com com 221 aforismos. O Dicionário tem 188 verbetes. Em comum a denúncia do espetáculo e sua cacofonia que vai nos engolindo, cegando, embrutecendo, sufocando. “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens”.
Para romper com essa lógica, todas as armas são boas: pedras, noites, poemas… E dicionários. (Paráfrase do Leminski).
Então, mais uma arma para ajudar a enfrentar as milícias (virtuais ou não), o exército de robôs e de imbecis robotizados que odeiam a história, a filosofia, a arte, o pensamento. Que perseguem professores, sindicalistas, artistas, jornalistas e qualquer um(a) que não se submeta ao seu circo de horrores e bobagens perversas.
A jornalista Eliane Brum escreveu que “Os perversos corromperam a palavra ... Só por isso podem dizer que o Brasil está ameaçado pelo ‘comunismo’ ou que o nazismo é de 'esquerda’ ou que o aquecimento global é um 'complô marxista’...Precisamos voltar a encarnar as palavras. Ou enlouqueceremos todos. A criação do comum começa pela linguagem”. O Dicionário Involucionário sai novamente então em um momento apropriado.
Mayakovski escreveu que a cavalaria do sarcasmo era sua arma predileta. Ela continua temível. Faça bom uso.
A máscara da economia digital adotada pelo capitalismo em sua fase neoliberal está se mostrando mais selvagem que as versões anteriores. Em vez de caminharmos para uma era da informação, prosperidade e esclarecimento, estamos regredindo à idade das trevas.
Artigo também publicado no portal O Povo Online/Blog do Eliomar em 09/02/21