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22 abril, 2020

O coronavírus e a economia no Brasil: quais opções?


Abrindo espaço aqui no blog para um texto do professor do Curso de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Oliveira.
Ele reflete sobre cenários possíveis durante a pandemia: alocar recursos para salvar vidas ou alocar recursos para criar condições de crescimento econômico.





Introdução


Assiste-se no mundo à fragilidade das economias de mercado e à importância do Estado na mitigação dos efeitos negativos causados pelo COVID-19. O setor privado incapaz de agir fica passivamente aguardando a intervenção estatal para induzir a recuperação da economia. Nada garante que essa desejada recuperação vá ocorrer porque tudo depende da dinâmica da evolução do coronavírus.

Ao mesmo tempo, a sociedade percebe que o sistema de saúde não está preparado para um aumento abrupto de demanda por leitos, UTI, equipamentos e serviços laboratoriais, em uma situação de emergência. Se a economia estiver em processo de estagnação, qual a decisão mais sensata? Alocar recursos para estimular o crescimento econômico ou destiná-los à compra de meios para equipar as unidades de saúde para enfrentar uma iminente onda pandêmica?

Duas situações excludentes poderiam ser apresentadas em virtude do COVID-19: alocar recursos para salvar vidas ou alocar recursos para criar condições de crescimento econômico. A vontade de governantes ultraliberais é recorrer ao mercado para encontrar uma solução. Certamente, sua escolha recairia no sentido da utilização de recursos para alavancar a economia porque, dentro dessa concepção de mundo e de vida, empregos seriam criados, salários seriam pagos e as pessoas cuidariam de sua própria saúde. Com essa escolha as pessoas teriam ampla liberdade para continuar ou retomar suas atividades econômicas e sociais. No entanto, caso os meios disponíveis em termos de pessoal, equipamentos, materiais e instalações hospitalares não fossem suficientes para atender um número muito grande de pessoas contaminadas, em locais adequados e no momento clinicamente correto, seria uma escolha genocida.

A escolha pela economia desconsidera o problema ético de salvar vidas. Este seria o argumento central para justificar a alocação de recursos na ampliação das condições de atendimento dos contaminados pelo COVID-19. Mas, essa escolha teria sérias implicações na dinâmica da sociedade em virtude da parada geral da economia. Ocorreriam falências, o desemprego aumentaria, os salários de empregados e a renda de autônomos cairiam; haveria aumento da pobreza e da fome; e outras doenças afetariam os segmentos mais vulneráveis. Toda o esforço para salvar vidas seria em vão.

É possível um meio termo?

Salvar pessoas ou salvar a economia?Ou ambos?

 





 1º Cenário: salvar a economia, sem medidas de apoio para salvar vidas.

Nesse caso, a vida social continuaria como antes, com as pessoas circulando livremente, principalmente nos locais de compras, dando vazão ao consumismo que é típico das sociedades modernas. Todas as empresas funcionando: transporte terrestre e aéreo de carga e de passageiros, shoppings, lojas abertas, empregos garantidos... A economia de mercado está salva.

Por outro lado, a liberdade de circulação põe em risco a vida de muita gente. A exposição ao vírus levaria à contaminações generalizadas, enorme pressão sobre os serviços de saúde (colapso do sistema de internamento hospitalar e de serviços médicos gerais) e um crescente número de óbitos.

O efeito rebote viria sob a forma de inúmeras internações e absenteísmos (falta ao trabalho) generalizados, redução forçada da circulação de pessoas, redução das compras, retração da produção, desemprego, redução do PIB – caos social.

Nesse cenário, NÃO SALVAR VIDAS resulta em NÃO SALVAR A ECONOMIA.


2º Cenário: salvar vidas (quarentena/isolamento/distanciamento social) sem medidas de apoio (políticas econômicas) para salvar a economia.

Nesse caso, a vida social seria restringida, com as pessoas circulando apenas para comprar os bens e serviços essenciais, sem liberdade para dar vazão ao consumismo que é típico das sociedades modernas. Com o isolamento (vida social restringida), as contaminações seriam contidas, assim como as internações (a capacidade de atendimento dos hospitais poderia ser ampliada) e diminuiria o número de óbitos. Muitas vidas seriam salvas.

Por outro lado, restringir a liberdade de circulação das pessoas traz sérias consequências para a economia. Como reação à drástica redução do consumo, muitas empresas deixariam de funcionar, o transporte terrestre ficaria afetado negativamente por falta de suporte nas rodovias, o transporte aéreo teriam redução de voos em virtude de barreiras sanitárias, lojas seriam fechadas ou iriam à falência, empregos reduzidos, vários segmentos – autônomos e informais – perderiam renda. Outras doenças surgiriam junto aos segmentos mais pobres, em virtude da fome endêmica ou da subnutrição, o sistema de saúde ficaria sobrecarregado, e o número de óbitos aumentaria. O PIB cairia dramaticamente – caos social.

Nesse cenário, NÃO SALVAR A ECONOMIA resulta em NÃO SALVAR VIDAS.

3º Cenário: salvar vidas (quarentena/isolamento/distanciamento social) e salvar a economia (com medidas de apoio).

Nesse caso, a vida social seria restringida – tal como no 2º Cenário –, com as pessoas circulando apenas para comprar os bens e serviços essenciais. A quarentena e outros cuidados, reduzem o risco de contaminação, as internações hospitalares e o número de óbitos. Vidas seriam salvas. Para os setores da economia que fossem afetados pela retração de demanda seriam adotadas medidas compensatórias – tal como no 1º Cenário –, que evitassem o fechamento de empresas, a perda de empregos e a redução de salários. Para os segmentos mais vulneráveis da população, a garantia de uma renda básica compensatória.

No 3º Cenário, seriam adotadas políticas econômicas para compensar a redução dos efeitos da pandemia na economia, tais como a abertura de linhas de créditos para as empresas afetadas, seguro-desemprego, redução de salários e da jornada de trabalho, compensação salarial e renda básica para autônomos, informais e outros segmentos desprotegidos. Como se pode perceber, essas medidas são, na realidade, políticas de governo voltadas para a proteção da demanda efetiva.

Os gastos governamentais nas três esferas teriam que crescer significativamente. Dependendo da magnitude dos gastos, essa intervenção do Estado na economia poderá manter o nível geral da atividade econômica ou, no mínimo, arrefecer a queda do PIB.

Nesse cenário, o resultado seria ECONOMIA SALVA e VIDAS SALVAS.






A aparência da inexistência de um dilema


Parece então que o 3º Cenário confirma a “tese” de que não existe um dilema entre salvar vidas e salvar a economia. E mais: essa confirmação aponta para um cenário otimista de crescimento econômico pós-coronavírus. Confirma (mas uma vez), que a economia capitalista de mercado terá que recorrer ao Estado (mais uma vez) em momentos de crises.

O coronavírus desnudou, no mundo, a farsa de 40 anos de neoliberalismo – agora, no Brasil, com conotações fascistas –, que propiciou um acúmulo e concentração de riqueza como nunca ocorrera na história da humanidade. O mercado e o dogma do crescimento não estão funcionando; não foram suficientes para “pôr as coisas no lugar” e proporcionar condições de vida dignas para as mais de 7 bilhões pessoas que habitam na Terra. Tem funcionado para seus defensores e para a minoria de beneficiários. (Não se sabe até quando.) Contudo, a contaminação pelo vírus da vez, introduz incertezas na economia e põe em risco a vida nababesca dos milionários e de todos(as) aqueles(as) que dela se beneficiam. A invisibilidade e a letalidade do inimigo finaliza as certezas neoliberais.

Mesmo com a instabilidade das bolsas de valores, os CEO não podem ser demitidos – a governança financeira não pode parar –, pois são os mágicos que fazem acontecer a ficção monetária que tanto encanta aos donos do dinheiro e do poder. Embora não sejam humanos, os mercados estão “contaminados”. A força do coronavírus – e de seus derivativos – trouxe a demonstração cabal de que deixar as forças de mercados agirem livremente, potencializa o risco de caos social, de crise econômica e de colapsos ambientais. Com um detalhe: capitalistas e trabalhadores serão desigualmente atingidos. Razões aos montes para que, mais uma vez, o Estado seja chamado a intervir.

O argumento-síntese é que, com a intervenção do Estado, a situação de crise pode ser mitigada: a queda do PIB arrefecida e a atividade econômica retomada depois que a “banda” do coronavírus passar. Para os donos do dinheiro (por isto mesmo, donos do poder), o custo da retomada ficará restrito à ceifa de vidas que atingirá, principalmente, a diversidade dos trabalhadores e de seus trabalhos. Aqueles que vivem do trabalho alheio serão devidamente socorridos por um sistema de saúde privado sofisticado – nem sempre eficaz – e pelo Estado, em sua missão de fornecer suporte para postergar a trajetória do crescimento econômico desejado pelos “donos do poder”. Nesses termos, a conclusão do 3º Cenário sugere que é possível salvar vidas e salvar a economia.

Mas, o encontro da aparência com a essência, aqui apenas ensaiado, demonstra que o sistema do capital não pode se reproduzir apenas conduzido pela “mão invisível do mercado”. Concretamente, demostra que sua economia sempre precisará de incentivos financeiros, fiscais e jurídicos; e que a sociedade terá que ser socorrida pelo Estado com o fornecimento de respiradores e de outros equipamentos de proteção individual e coletiva e por políticas de renda mínima. Ademais, conduzido pelas forças de mercado, o livre funcionamento desse sistema causará colapsos dramáticos que inviabilizarão a economia e a vida societária tal como agora se estruturam. Não levará o Planeta à morte, mas levará de roldão capitalistas e trabalhadores. (Um epitáfio sugestivo: <<Embora socialmente separados em vida, a morte os tornou unidos para sempre.>>)

Todos os sinais emitidos pela Natureza soam como um alarme de que a moderna sociedade produtora de mercadorias pariu um sistema antivida que suga nervos, músculos e cérebros, cuja sina não é outra senão a transformação de todos os bens comuns disponíveis na Natureza em uma montanha de resíduos.



A essência que desfaz a aparência do dilema


Tal como o coronavírus, o essencial é invisível aos olhos; e mais, você se torna responsável por aquilo que cultiva. O que tem sido feito (cultivado)? Como tem sido feito (tecnologia)? Para quem tem sido feito (distribuição)? Estas continuam sendo as três perguntas centrais das economias que dão suporte às sociedades humanas, desde seus primórdios. Como são respondidas na moderna sociedade produtora de mercadorias?

Para respondê-las é preciso saber, minimamente, quais as principais características do sistema econômico que predomina no mundo para produzir mercadorias. Como se organiza, como funciona e qual é o motor de sua dinâmica. Ao mesmo tempo, se ele necessita ou não de um respaldo superestrutural para se reproduzir. Esse respaldo tem a ver com os mecanismos institucionais que lhes fornecem relativa estabilidade e continuidade, seja um comando central ou a economia de mercado.

Em primeiro lugar, o lembrete de que sua infraestrutura tem por base uma composição social e técnico-orgânica que reúne o que foi historicamente separado: trabalhadores e proprietários dos meios de produção. Independentemente da forma jurídica da propriedade, o reencontro marca o início da história do modo de produção do capital na formação social capitalista.

O segundo lembrete é que, desde a Revolução Industrial, se intensifica uma articulação linear unidirecional de fornecimento de matéria e energia da Natureza para a economia. Como um dado geral, o sistema econômico mundial não realiza, com o ecossistema global, uma troca de matéria e energia de mesma qualidade. Isso porque a economia transforma matéria e energia de baixa entropia em matéria degradada e energia dissipada. (Essa transformação é conhecida por transumo.) O Planeta reflete a maior parte da incidência de luz e calor recebido do Sol, retendo apenas uma fração suficiente para aquecer e realizar a fotossíntese que produz a biomassa necessária para inúmeras espécies.

Em particular, na economia capitalista de mercado prevalece uma dissociação bipolar de base. Em um polo encontram-se os proprietários dos meios de produção (capitalistas compradores de força de trabalho) e no outro os trabalhadores (vendedores de força de trabalho). Embora tenham interesses opostos, a atração fatal que se estabelece entre as duas mercadorias (meios de produção e força de trabalho) desfaz a oposição; faz convergir os interesses opostos. Agora, importa, sobretudo, a reprodução do sociometabolismo do capital.

Aparentemente, a atração salienta a importância do trabalhador para o processo de reprodução da riqueza capitalista, e, por consequência, para o enriquecimento dos empresários. Uma aparência que logo se desfaz com a captura da ciência e da tecnologia para acelerar a “produção pela produção”. As inovações tecnológicas fazem com que os processos econômicos ganhem autonomia, e permitem um controle mais efetivo sobre os trabalhadores. Com tamanha autonomia, sua importância fica reduzida e suas habilidades e competências restritas à condição de “regulador” de um complexo aparato constituído de máquinas e equipamentos.

Nesse processo de captura da ciência e da tecnologia, a maximização do lucro afirma-se como nomos por excelência. Uma norma soberana que se impõe como um sistema de exploração, não apenas das qualidades humanas, mas também das forças da Natureza. O lucro máximo também orienta o desenvolvimento científico-técnico e coloca em plano inferior a sociedade e a Natureza; em lugares subordinados à economia. O lucro torna-se o motivo condutor da vida econômica moderna.

Junto com essa polaridade historicamente constituída, a economia da Natureza é privadamente apropriada e se apresenta como um setor que fornece insumos para alimentar a economia do capital, pretensamente autônoma e em busca de crescimento ilimitado. A Natureza subsumida ao capital deixa de ser reconhecida como um poder para si mesma. E a compreensão de suas leis serve apenas para subjugá-la no âmbito das necessidades da sociedade, como um objeto de consumo ou um meio de produção para a economia. O lucro se impõe como o leitmotiv para justificar a utilização de todos os meios necessários para a reprodução ampliada desse sociometabolismo.

A vida em sociedade, por sua vez, gradativamente vai ficando carente de sentidos, pois o modo de produção aprisiona os indivíduos e as classes sociais a um modo de vida em que o “livre viver” os restringe à condição de vendedores e compradores de mercadorias. O modo de vida corresponde ao modo de consumo que é adequado ao modo de produção do capital. Mais concretamente, adequado à moderna sociedade produtora de mercadorias. A “sociedade de consumo”, a “sociedade do espetáculo”, a “mercantilidade da vida”: todas são expressões que falam de perto sobre o modo de vida das sociedades modernas (de mercado ou de comando central). Assim também é a expressão “catedral das mercadorias” referida aos shopping centers. A parafernália tecnológica também incita homens e mulheres a se lançarem na busca frenética de novidades de consumo para atender necessidades artificialmente criadas pelas “mídias de massa”.

A estrutura jurídico-política, por sua vez, garante aos empresários o direito de explorar os trabalhadores e de dilapidar os bens comuns. Evidentemente, dentro da regra do jogo capitalista: sugar até a última gota o “sangue” dos trabalhadores e esgotar os recursos naturais para fazer mais do mesmo, e da mesma maneira, para que o mesmo aconteça no futuro em uma escala ampliada. E assim por diante... Para isso fazem-se reformas que eliminem direitos individuais e coletivos, trabalhistas e de proteção social e ambiental, a fim de que os encargos das empresas sejam reduzidos e seus lucros maximizados.

O imperativo econômico-tecnológico inerente às sociedades modernas, vale repetir, é orientado pela razão instrumental do lucro. Afirma-se que a tecnologia pode resolver problemas econômicos, sociais e ambientais. E que, dentro dos parâmetros econômicos da economia de mercado, tudo é tecnologicamente possível. Afirma-se também que ninguém pode deter o progresso, e que as inovações tecnológicas são inexoráveis. E por fim, que a conquista tecnológica se tornou uma tentação à qual não é possível resistir. É o caminho único para maximizar os lucros e para o enfrentamento da competição. Cada um por si e a tecnologia acima de todos.

A sede “vampiresca” da economia do capital inclui a Natureza como um mero objeto de consumo, ou uma barreira a ser ultrapassada. Diante de tamanha ousadia, pode-se agora pelo menos desconfiar que o colapso ecológico que ameaça a permanência da humanidade na Terra é fruto do imperativo econômico-tecnológico inerente ao desenvolvimento do capital como sistema mundo; um sistema que funciona como “dilapidador dos mananciais de sua própria riqueza, o homem e a natureza” e que, portanto, compromete a vida das espécies que habitam no Planeta. À Terra atribui-se a condição de fonte de riqueza econômica, e não a condição de ser um bem comum. É apreciada pelos proprietários do dinheiro e dos meios de produção como um fator de produção a ser privadamente apropriado. Mais precisamente, um objeto de espoliação para atender o dogma do crescimento econômico. Isso significa dizer que o ímpeto progressivo do capital o leva, contraditoriamente, ao esgotamento de sua base material de sustentação e a limites ecossistêmicos que não podem ser ultrapassados. Além de sua contradição interna fundamental, aciona limites externos que não pode superar. Conclui-se, então, que a tecnologia não pode resolver a totalidade dos problemas econômicos e sociais por ela mesma gerados, e muito menos consertar a ruptura metabólica que causa junto com a economia capitalista de mercado ou de comando central.

A ruptura sociometabólica se desencadeia visivelmente com a revolução tecnológica que a indústria estimula na agricultura. A população rural diminui e se intensifica um urbanismo que reflete, de um lado, a força motriz da acumulação de capital e, de outro, a separação entre o campo e a cidade. A industrialização da agricultura degrada o solo e torna redundante a força produtiva do camponês. Explicita-se, portanto, a ruptura metabólica histórica entre o homem e a Natureza.

As mudanças tecnológicas introduzidas na agropecuária, na indústria e nos demais setores da economia; a imposição de um modo urbano de vida em megacidades para concentrar poder de compra; o esgotamento de mananciais e aquíferos; a contaminação do solo, dentre outras afetações; representam uma pequena parte dos inúmeros processos que contrariam os critérios de sustentabilidade propostos pelo estudiosos da Economia Ecológica, sobretudo, por Nicholas Georgescu-Roegen em sua Bioeconomia. São facetas que demonstram a inviabilidade do processo econômico capitalista à escala global, e que determinam uma pegada ecológica descomunal. Como um resultado dramático, as mudanças climáticas espalham ameaças perigosas decorrentes dos desequilíbrios dos ciclos biogeofisicoquímicos que dão o suporte de vida a todas as espécies.


Aécio Alves de Oliveira


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