cookieOptions = {msg}; fevereiro 2021 ~ Bit Autônomo

12 fevereiro, 2021

Pelos bares da vida…

 

Placa na estrada de Ubajara com os dizeres "Bar Recanto Zé Maria dos Patos"


Preso em casa não só pela pandemia, mas pela irresponsabilidade criminosa de Bolsonaro e cupinchas, que deixaram a desgraceira chegar aonde chegou, começo a pensar nos bares da vida. Os de ontem e os de hoje. E resolvo fazer esta croniqueta, pessoal e intransferível, para relembrar alguns dos locais embriagadores por onde passei.


Como toda boa peregrinação etílica, esta segue ao léu e aos emboleos, sem ordem cronológica definida e nem hora certa pra acabar. Com certeza vou esquecer de muitos, aos quais prometo voltar para tomar mais uma(s).

E antes um aviso: sou fã incondicional dos botecos do tipo copo sujo e do tira gosto “comeu morreu”. Assim, minhas escusas prévias aos paladares refinados e sensibilidades delicadas.


Croa Grande - Barraca do Padim





Croa (abreviação de Coroa) Grande é um povoado cearense que fica às margens do Rio Acaraú. Da última vez que lá estive, o que deve ter mais ou menos uns 10 anos, a vila contava com uma população que não passava de 150 pessoas. É (ou era) um daqueles lugares onde se dorme com portas abertas, qualquer estranho é alvo da curiosidade dos locais e a vida ainda se pauta pelo ritmo da natureza.

Só tinha dois estabelecimentos comerciais: um bar e mercearia de um sujeito que não lembro o nome e a Barraca, de praia, do João Ivo (o Padim). Figura das mais divertidas e acolhedoras, mantinha uma rede de tucum armada na varanda da barraca e quem chegasse primeiro se aboletava.

Cachaça, cerveja, conhaque (Dreher e São João da Barra), tira gosto de sururu, caldo de siri, peixe frito etc. Tudo feito na hora. Uma parte na barraca, outra em sua casa, preparados por sua esposa, dona Maria, ou por ele mesmo. O mar e a gamboa, a poucos passos. Ótimo refrigério pra curar a ressaca ou matar o calor.

Fiquei amigo e já da segunda vez em que fui, eu mesmo anotava em um caderno minha conta. No final do dia, quem estivesse menos “de fogueira”, eu, ele, ou outro freguês, somava.



Ubajara - Bar Recanto Zé Maria dos Patos

Placa dizendo "Bar Recanto Zé Maria dos Patos"


Estava de férias em Ubajara (CE) e no dia em que cheguei, a caminho do Parque Nacional, fui atraído pela placa pitoresca na beira da estrada. Não tive dúvidas: peguei a estradinha ao lado da dita cuja e já fui conversando com a namorada sobre a gelada que tomaríamos, talvez com um bom tira-gosto de pato. Desilusão! No final da estrada, nada de bar e menos ainda de pato. Apenas uma casa humilde e fechada com uns pintos magrelos ciscando no terreiro. Bati palmas, chamei. Nada! Mistérios…

Conjunto Ceará (Makulelê, Bar do Nogueira e Antoim da Burra)


O Conjunto Ceará, bairro de Fortaleza, é um celeiro de artistas e boêmios. Cito aqui três bares, todos na ativa, mas há inúmeros.

O Makulelê, antigo Shangri-lá, fica no Polo Cultural. Faz parte de uma história de lutas e resistência no bairro. Remanescente ainda do período da administração popular de Maria Luíza Fontenelle, foi palco de saraus, shows inesquecíveis, namoros, noites agradáveis e madrugadas ébrias. Em uma delas, como não havia mais o que comer no bar e a fome era grande, ficamos esperando até passar o padeiro do bairro, aí por umas 5h30 da manhã, para aplacar o estômago.

Bar do Nogueira – o melhor espetinho do Conjunto. O Nogueira é mais um Clube do Bolinha do que propriamente um bar. Nos finais de semana ou feriados junta uma seleta clientela de marmanjos. Os tiras gostos, cujos ingredientes muitas vezes os fregueses trazem, são preparados no local pelo próprio Nogueira ou já vêm prontos. Pratos principais: a amizade e a tradicional molecagem cearense. Mas também rola fava, churrasco, feijão verde, porco ao molho, curimatã... 

Aos domingos, cenas assim são comuns: por volta de 13h, um menino chega na porta e grita a um dos clientes – “pai, a mãe tá esperando o senhor com a mistura do almoço até agora!” Vixe! E lá vai o desnaturado marido comprar outra mistura pois a primeira ficou, junto com cervas e canas, no bucho dos confrades. 

Rotina: quase todo final de semana, alguém trava uma peleja para ir embora porque algum espírito “malino” escondeu seus chinelos. Ou a chave do carro. Ou ambos.

Nogueira, dono do bar, em frente a uma churrasqueira com uma faca na mão



Antoim da Burra ou simplesmente “Da Burra” - Point dos sinuqueiros e da rapaziada do carteado. Se o Rui Chapéu estivesse vivo, com certeza estaria lá em corpo. Em espírito com certeza está. Bom atendimento, simpatia e tranquilidade são as marcas registradas. Exceto quando tem jogo do Ceará e Fortaleza. Aí colocam uma TV, quase um mini telão no bar, e a gritaria é infernal. Após o jogo, tudo segue em boa paz.

Parque Santa Rosa - Bar Sindicato dos Cornos

Parte da parede do bar com uma pintura artesenal e os dizeres "bar Sindicato dos " abaixo, o desenho de uma cabeça de boi


O Santa Rosa, também em Fortaleza, é um bairro da Região Sul da cidade. Os nomes das ruas são extremamente poéticos. O honorável Sindicato dos Cornos, por exemplo, fica na rua Tulipa Negra.
Tem uma clientela fixa, cuja maioria mora nos arredores. Alguns na própria rua como, é o caso do famoso Gilberto Cancão e do Sérgio. O tira gosto vem em bacia de alumínio e se você estiver liso, nunca falta um litro em uma das mesas onde sempre cabe mais um. O João Corno, dono, garçom e cozinheiro, é de uma gentileza e bom humor a toda prova. Se alguém tem um comportamento indevido, ele dá uma suspensão: o elemento fica determinado período sem poder frequentar o bar.
Desnecessário dizer que a cornagem é o assunto principal. Locais como o Sindicato, ainda que indiretamente, ajudam no combate ao machismo e à violência contra a mulher.


São Luís (Cachaçaria do Batista e Bar do Corintiano)


Cachaçaria do Batista  - em 2018 estive em São Luís (MA) e logo no primeiro dia, meu amigo que bancava o cicerone me levou pelo Centro Histórico até a Cachaçaria do Batista. Como escrevi em outra crônica, a Cachaçaria fica pros lados do Convento das Mercês, em algum beco ou travessa. Creio ter visto mais de 100 variedades de cachaça. Pense em alguma folha, fruta ou raiz que possa ser misturada com o destilado e você encontra. Cachaça de pitomba, cachaça de gengibre, cachaça de banana... Aí se perde a conta. Ele é muy cerimonioso. Na época em que fui, acompanhado por um amigo jornalista que o conhece de há muito, nem foto permitiu. Melhor. Leva-se só a lembrança.

Bar do CorintianoO Corintiano fica na Feira, que é um grande armazém de secos e molhados. Além disso, serve comida, bebida, artesanato, diversão… E diferente de outros mercados que conheci, fica aberto durante parte da noite. Não passei uma única vez no Corintiano para não encontrar o balcão lotado, todo mundo rindo e bebendo em boa paz. Um alvoroço. As bebidas do maestro têm títulos autoexplicativos e prometedores: “Fogosinha”, “Fogozada”, “Gogozada” e “Fura Ferro”. Recomendo todas moderadamente e com a devida e prévia libação. Laroyê!

Garrafas de tiquira, fogozada etc



Benfica (Pitombeira e Bar do Panelada)

Morei por anos no Benfica, outro bairro de Fortaleza e assisti a uma boa quantidade de bares serem abertos, fechados e reabertos. Alguns desses são/foram antológicos como o Bar do Ray, Chaguinha e Cantinho Acadêmico (na ativa). Aqui, vou me ater a dois somente.

Pitombeira – o típico boteco de estudantes lisos. Cerveja barata, mesas na calçada, meiota no preço e PF. Aí pela primeira década do século,  sempre tinha alguém se esgoelando com um violão (ou dois). Depois começou a praga do forró de plástico e o Marcos e a Marlene, os donos, seguiram o (des)gosto da clientela. Parte significativa dos moradores(as) de Fortaleza deve ter passado pelas mesas de plástico do Pitombeira, ainda mais em época de pré e carnaval. Recentemente, acho que anda meio deserto devido à pandemia e aos concorrentes localizados do outro lado da Av. 13 de Maio, que adotaram o seu jeito de ser.

Foto de uma árvore (pitombeira) que tem em frente ao bar



Bar do Panelada – o Panelada era só para iniciados. Constituía-se em um trailer caindo aos pedaços que ficava nas margens do Canal do Jardim América e ao qual se chegava passando por uma passarela de zinco com armação de ferro estendida sobre o canal e tão decrépita que, ao cruzar, você tinha a sensação do banho iminente. O dono (Panelada) era praticante de alguma arte marcial desconhecida. Bombado, de camiseta e faixa amarrada na cabeça, era aquele tipo de sujeito que lhe mata rindo. 

Certa vez levei uma amiga para apreciar o romântico pôr do sol à beira do canal. Ela na cerveja, eu na cachaça. No quesito de tira gosto, só existiam duas opções: a primeira já se adivinha e a segunda era baião de dois com peixe assado na brasa. Pedimos baião. Quando veio, comecei a pilhéria de que o Panelada pescava os carás que servia ali mesmo, no canal. Ele endossou jurando de pés juntos. Minha amiga cuspiu o que estava mastigando, pegou a bolsa e nem deu tchau. Se ela estiver lendo isso, explico que os carás eram limpinhos. Vinham do Mercado São Sebastião.


Iparana - Barraca do Chico da Mundola


Iparana é um bairro de Caucaia. Praia com falésias e água limpa. Tem muitos bares e barracas. Minha preferida é a barraca do seu Chico da Mundola. Situada sobre uma falésia, tem pequenas cobertas de palha sobre as mesas e uma área central, do tipo alpendre. Local simples e acolhedor. Peixe fresco, lagosta, baião de dois, cerva gelada e pinga. A comida é preparada na hora: caseira, simples e gostosa. O atendimento também é ótimo, feito pelo seu Chico e pelo Baim, seu filho. O preço é justo e a visão do mar, de cima da falésia, não tem preço. Local bom e discreto para levar o novo xodó ou um velho amor.


BH (Bar do Nonô, Onhas do Jequi)


Belo Horizonte, Belzonte ou só BH tem a fama de ser a cidade com o maior número de bares do Brasil. Não descreio. Aqui, só cabem dois.

Bar do Nonô – o Nonô já virou uma instituição. Fica no Centro de BH, na avenida Amazonas, com entrada pela rua Tupis. Conheci no início dos anos 90 após um acampamento em Barão de Cocais, do qual voltei em pandarecos. Ia trabalhar no dia seguinte e um dos parceiros sugeriu tomar um “fortificante” no Nonô. Caldo de mocotó em caneca com ovos de codorna crus e cheiro verde. Acompanha a cerveja preta Caracu. Antes do caldo, uma abrideira de Januária. Virei freguês. Em 2019 estive novamente na cidade e de todos os bares que conheci em meados dos anos 90, o único que permanece aberto é o Nonô. Que tenha vida longa e que a receita do caldo nunca se perca.

Onhas do Jequi – De saudosa memória, e não só para mim, o Onhas era um boteco com ar hippie, ali pros lados da Praça da Liberdade. O nome e a temática eram alusivas ao Vale do Jequitinhonha, a região mais nordestina das Gerais. Ia com uma turma de amigos mineiros(as) e ouvíamos, sem ter de pedir, Ednardo, Belchior… Tudo regado a muita cana, namoros ocasionais e volta pra casa em corujões. Nem conto às vezes que peguei o ônibus errado e fui acordado pelo cobrador no final da linha de não sei onde. Mas pagava a pena. Fim de semana seguinte, quando os trocados davam, lá estávamos nós de novo.


Guaramiranga (Bar do Odilon)


Carnaval, começo deste milênio (ou final do milênio passado). Acontece o Primeiro Festival da Neblina, que depois virou o Festival de Jazz e Blues de Guaramiranga. Nos primeiros anos, ia muita juventude alternativa (e sem grana). Barracas armadas pelas ruas da cidade, no campo de futebol, nos quintais e até na quadra.  Artistas, alguns intelectuais, estudantes, a malucada de BR... Desde os primeiros eventos, o point dessa turma era o Bar do Odilon. Localizado na rua principal,  foi o verdadeiro centro cultural dos primeiros anos do Festival. Novas amizades, velhos amigos se encontrando, som alternativo de todo tipo e muita, muita cachaça: com pitomba, com beijo, com chuva, com churrasco ou pura mesmo. Na sinuca, quem perdesse passava por baixo da mesa.
O dono, seu Odilon, atendia a todos com paciência de Jó, ajudado por um dos filhos (Orleans), o genro e a filha. No carnaval, o bar fechava  por volta de 5h da matina e abria às 10. Seguramente eu passava mais tempo no Odilon do que na minha barraca ou vendo os shows ou indo de pau de arara pras cachoeiras. 
Ei Orleans, bota mais uma odilombra aqui, meu chapa! E traz duas fichas de sinuca...


Escrita entre o último domingo de janeiro e a sexta-feira de carnaval, 12 de fevereiro do ano da (des)graça de 2021.


09 fevereiro, 2021

A era digital está virando uma nova idade das trevas

 A máscara da economia digital adotada pelo capitalismo em sua fase neoliberal está se mostrando mais selvagem que as versões anteriores. Em vez de caminharmos para uma era da informação, prosperidade e esclarecimento, estamos regredindo à idade das trevas.

Artigo também publicado no portal O Povo Online/Blog do Eliomar em 09/02/21


Dois autores essenciais para pensar o mundo de hoje e para onde iremos amanhã, são Cédric Durand, autor de “Tecnofeudalismo: crítica da economia digital”  e Naomi Klein, que escreveu “A Doutrina Do Choque. A Ascensão Do Capitalismo Do Desastre”.

Durand, cujo livro ainda não tem tradução para o português, aborda a ideia de que com as novas tecnologias, o capitalismo se renovou regredindo. O Big Data e as Big Techs (Google, Amazon, Facebook, Uber...) não tornaram melhor a vida das pessoas, mas estão criando verdadeiros feudos e tornando impossível a sobrevivência econômica  sem o uso das grandes plataformas onde predominam o monopólio, a vigilância e a captura de dados em um processo que se autorreforça pois seus serviços são cada vez mais indispensáveis.

“No seio do mercado, havia uma monopolização, por parte do capitalismo, dos meios de produção, mas estes meios eram plurais. Os trabalhadores precisavam encontrar emprego e, de certo modo, podiam escolher o posto de trabalho. Existia uma forma de circulação que dava lugar à concorrência. Nesta economia digital, neste tecnofeudalismo, os indivíduos e também as empresas aderem às plataformas digitais que centralizam uma série de elementos que lhes são indispensáveis para existir economicamente na sociedade contemporânea. Trata-se do Big Data, das bases de dados, dos algoritmos que permitem os processos”.

Já Klein mostrou como o capitalismo usa graves crises, muitas das quais provocadas por ele mesmo, para aplicar medidas desumanas e até genocidas, com investidores privados se apropriando de bens e recursos públicos e depois transformando essas reformas em mudanças permanentes.

Em  meados do ano passado, ela publicou o artigo “Corporações tentam acelerar distopia tech” revelando como os gigantes do Vale do Silício estão usando a pandemia Covid-19 para aumentar seus lucros e redesenhar o mundo.

“Muito mais high-tech do que qualquer coisa que vimos nos desastres anteriores, o futuro que está surgindo à medida que os cadáveres ainda se acumulam está tratando nossas últimas semanas de isolamento não como uma necessidade dolorosa para salvar vidas, mas como um laboratório vivo para um futuro permanente — e altamente lucrativo — sem contato físico.

Esse é um futuro em que, para os privilegiados, quase tudo é entregue em casa, virtualmente por meio de tecnologia de streaming e nuvem, ou fisicamente por um veículo sem motorista ou por um drone, e então ‘compartilhados’ na tela de uma plataforma mediada. É um futuro que emprega muito menos professores, médicos e motoristas...É um futuro que alega ser executado por ‘inteligência artificial’, mas na verdade é mantido em funcionamento por dezenas de milhões de trabalhadores anônimos escondidos em armazéns, centros de dados e moderação de conteúdos, fábricas escravizantes de eletrônicos, minas de lítio, fazendas industriais, frigoríficos e prisões, onde são deixados desprotegidos de doenças e hiperexploração. É um futuro em que todos os nossos movimentos, todas as nossas palavras, todos os nossos relacionamentos são localizáveis, rastreáveis e passíveis de terem seus dados minados por colaborações inéditas entre os governos e as empresas gigantes de tecnologia”.

Esse futuro apontado por Durand e Klein é sombrio. Moldado por uma aliança espúria entre grandes empresas de tecnologia, corporações financeiras e governos, aponta para a instauração de monopólios, dependência, manipulação política, privilégios e predação global.
Está calcado na disseminação de mentiras (fake news), absurdas teorias da conspiração, como a de que vacinas são maléficas, e meias-verdades usadas para confundir em vez de informar.
Pressupõe, como já acontece em muitos lugares, uma vigilância constante e o uso de nossos dados por empresas privadas para fins comerciais ou para detectar e influenciar as tendências políticas e os comportamentos sociais, como ocorreu nas eleições de Trump e Bolsonaro.
Ao contrário dos que muitos afirmam, as tecnologias não são neutras e precisam ser reguladas, tendo em conta os direitos e o bem-estar da maioria.

A máscara  da economia digital adotada pelo capitalismo em sua fase neoliberal está se mostrando mais selvagem que as versões anteriores. Em vez de caminharmos para uma era da informação, prosperidade e esclarecimento, estamos regredindo à idade das trevas.

Links:
A hipótese do Tecnofeudalismo - https://bityli.com/c65OL
Corporações tentam acelerar distopia tech- https://bityli.com/NYevU

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | coupon codes