Um dos melhores textos que li este ano foi "Antiautoajuda para 2015" da Eliane Brum. Nele a autora escreve "Em defesa do mal-estar para nos salvar de uma vida morta e de um planeta hostil".
Vivemos em uma sociedade onde há "eterno presente" e, segundo Guy Debord, a cacofonia do espetáculo nos tornou surdos a tudo, inclusive a nós mesmos. Faliram o Estado, o mercado, a política, os partidos... Penso nisso e lembro de "Elegia 1938", poema de Carlos Drummond de Andrade. Chegou o novo século e só recebemos a infelicidade coletiva. Ainda há tempo?
Elegia 1938
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
Carlos Drummond de Andrade
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