Texto do sociólogo e professor Felipe Franklin Neto sobre a regulamentação da caça às bruxas que, segundo ele, começa no domingo, 17/04/16.
Vale conferir.
"De saída pode parecer estranho e desconexo o que vou dizer, mas acho que esse Domingo vai ser dia do Monteiro Lobato meu chapa. Explico. É que o sujeito foi criticado e citado como racista e como árduo defensor da regulamentação do Código de Caça esportiva na sua época. Em 1933, ele publicou Caçadas de Pedrinho, mesmo ano em que estava sendo desenvolvido o anteprojeto de regulamentação desse tipo de Caça no país. Esportiva, é claro, trata-se de um eufemismo profissional para predatório. Ajudou assim, a desenvolver todo um imaginário propício ao tema através da sua doce e ingênua literatura infantil. É desnecessário dizer que nas décadas seguintes várias espécies animais chegaram a beira da extinção por tão nobre atitude. Dizer que tudo se deve ao ML é demais.
Digamos que ele deu uma forcinha, dado que era a aventuras empresariais, como a da busca ao petróleo. Munido dessas artísticas intenções, o Lobato terminou por impulsionar todo um crescente comércio e a indústria internacional de armas especializadas e munições importadas dos mais diversos calibres e gostos no Brasil. Todo um mercado de moda recheado com couros e peles desses animais caçados de forma desportivamente predatória foi movimentado como um dos principais produtos de exportação nesse período da República. Muita gente acha frescura falar isso dele. Acha paranóia. Censura. Chato. Etc. Mas o fato é que no Domingo vai rolar safári urbano pra todos os gostos. A votação do impeachment vai ser o migué para a regulamentação dessa caça às bruxas. Caça, aliás, que já se instaurou há tempos no país. A munição e o calibre vai ser dosada de acordo com a polarização da opinião pública daqui até lá. A licença pra matar só será concedida a uma sociedade controlada e desgarrada pelo medo e pela esperança. Essa licença, de várias gradações, do bloqueio a uma amizade no face até o bate-boca com um amigo de infância ou familiar até o enfrentamento mais ríspido numa comunidade maior, só servirá se inocentes e injustiçados "cidadãos de bem", produzidos de um lado, se sentirem tão ultrajados que poderão passar a perseguir assassinos e indivíduos perigosos que possam ser produzidos e perseguidos em tempo real pela sociedade algoz.
A regulamentação da caça vai ser arbitrada pela insegurança pública laureada pelas forças da ordem e do progresso. Já conhecemos o roteiro. Mas assim como nas Caçadas de Pedrinho, muita gente prefere enxergar apenas as inocentes aventuras de crianças caçando e matando uma onça. Ninguém vai se importar quando os couros e as peles a serem caçados e comercializados ilegalmente for a opinião pública das pessoas. Que o Outro se ferre é o lamentável e infeliz tema desse enredo. Não são cicatrizes submersas. Elas vão emergindo, escancaradamente, a todo momento. Como uma falha tectônica sendo bombardeada por uma incendiária queima de arquivo e por suspeitos dossiês que são disponibilizados a todo tolo momento. Agora. se certos setores e segmentos, aqueles comumente criminalizados e marginalizados, ampliarem nalgum nível político e organizativo, qualquer tipo de insatisfação difusa e saírem do controle, do discurso normativo da democracia e do estado de direito... aí meu amigo...Tipo: "forças armadas" de um lado, "crime organizado" de outro, pulam pro lado de cá da cena política... Enfim... queira nem pensar a complicação disso daí... Porque seria muita ingenuidade achar que o Brasil não poderia mais suportar essa guerra civil não declarada que vivemos... não fosse todo o seu cinismo bélico...OU seja, um tal de Sítio do Picapau Amarelo vai ser enfeitado como um coliseu dessa mistura de Nova Roma e Jurassic Park que são esses palcos armados em Brasília e em todo o país. Já presenciei e participei de uma palhaçada dessa na marcha dos 100 mil em 1999. Em vários outros momentos pra ser sincero, desde pelo menos, 1992,1993 até ali. Contudo, em Brasília presenciei o auge de um constrangimento. Sem palavras para adjetivar aquilo....Foi a maior prova de que se os movimentos sociais são verticais, se eles se organizam de cima abaixo, e não são horizontais, se eles não multiplicam, mas disciplinam, fracionam e segmentam as vozes, se tentam o tempo todo silenciar o que é dissonante e represar toda uma energia criativa, expansiva e pulsante, com autonomia e independência para todos, nada feito. Essa coisa de cúpula, de dirigente, de líderes interpretando o que as massas e os indivíduos devem saber, pensar e sentir, não é só medonho, é vergonhoso... Não tá com nada. O lance é que tem gente que aprendeu a gostar de ler através das histórias do Monteiro Lobato. Minha mãe, por exemplo, fez muito isso comigo. Interessante. Lia estorinhas dele e de outros pra mim. Foi por aí que se incutiu o gosto pela leitura.
Mas, depois eu me desgarrei disso. Minha casa fez o papel dela. Sobravam boas intenções, acho. As ruas emendaram descosturando o resto e o fio da meada e daquela lírica navalha literata. Na minha humilde opinião. acho que falta um pouco isso levando pro plano mais classicamente político do espectro ideológico: se desgarrar de todos esses facínoras. Não é nada fácil. No entanto, é radicalmente necessário. Por exemplo, noto que muita gente age insatisfeita com ambos os lados.
Cada qual se movimenta diante do que considera ser possível e responsável nesse momento. A velha teoria tática estratégica do "o menos pior". Sem querer conferir um agravo regimental a essas posturas, as quais respeito, sempre me pergunto: não é essa a velha tradição de conciliação de interesses o maior tipo de conservadorismo de todos os setores políticos brasileiros? De outro lado, as hostilizações e criminalizações de sempre diante de uma maioria que tolera alguns, mas não todos, os tipos de minorias: radicalizar é colocar o pouco e duramente conquistado a perder, é agir como a direita quer, isso é irresponsabilidade, é ingenuidade, etc... Numa palavra, se trata de sair do papai e da mamãe inscritos nas ideologias políticas partidárias. Trata-se de um processo de esquizofrenização das pessoas. Trata-se de desinvestir os desejos e as crenças das pessoas nas formas mais perversas e neuróticas do Capital. De ofender essa obediência. Mas aí já entramos nas palavras de ordem. E eu não curto palavras de ordem. Então, desobedeça-te a ti mesmo. Por isso tudo continuo a me situar no campo da esquerda. Ou do que ainda resta dessa semântica histórica na atual gramática do poder e dos conflitos tidos como amorais. É que apesar de todos esses pesares, ainda considero que o espaço para o diálogo com as pessoas desse campo possuem um certo imaginário civilizatório um tantinho mais oxigenado, por exemplo, do que um pretenso diálogo com grupos de extrema-direita neonazista que brincam de assassinar nordestinos, etc,,. Por isso é complicado o diálogo com a esquerda partidária da Lei Antiterror. Uma espécie de esquerda Walt Disney, vive fabulando contos e finais (in)felizes pra ter audiência e sucesso imediato. É preciso enxergar através dos limites e imperfeições das pessoas, ir além das práticas estalinistas ( ponha um pouco de grupos neoleninistas e trotskistas aí no caldo também - nem vou falar dos trabalhistas ou social-democratas...já que é um comentário...e tb porque pode recair em análises muito formais desses ismos), Ir além não significa, porém, ir aquém. Isto é, não se colocar no arrogante direito de achar que pode pretender exigir mais de uma pessoa ou situação, algo que ela não queira, não deseje ou possa dar. Pra muita gente, o impossível é o limite.
Pra outras, no entanto, uma aposta num bilhete de loteria já faz desse um sonho possível, aquela aposta mais infinitamente longa e distante, ao mesmo tempo, concreta e plausível que a sua existência lhe conferiu. De qualquer forma. é um trânsito mais lúcido. Ou melhor, menos obscuro. Aí, como diziam as parábolas e as fábulas de La Fontaine e de Esopo e as lendas orais dos Irmãos Grimm, me intuo como alguém de esquerda. Pela forma de perceber o mundo. Uma intuição diante daquilo se refere ao aspecto mais vital, humanitário e existencial das pessoas e do mundo que nos rodeia. Sem incorrer nos vícios do iluminismo, do humanismo e do existencialismo ou ser localizado pelo poder , é claro; e nem perder o senso e a perspectiva de dialogar com quem esteja disposto a brindar alegremente o papo sério da emancipação, etc...... Monologar com meu umbigo é que não vou. E também, porque, afinal de contas, o inferno está cheio de boas intenções. E como não acredito, nem no inferno e nem no paraíso, paro por aqui."
0 comentários:
Postar um comentário