cookieOptions = {msg}; E a terra, que não é plana, vai voltar a tremer ~ Bit Autônomo

29 outubro, 2020

E a terra, que não é plana, vai voltar a tremer

Auto de fé em Portugal (gravura)

 


 

 




Artigo também publicado no portal O Povo Online/Blog do Eliomar em 30/10/2020

“Depois do terremoto que havia destruído três quartos de Lisboa, os sábios do país não tinham encontrado um meio mais eficaz para prevenir uma ruína total senão dar ao povo um belo auto de fé; fora decidido pela universidade de Coimbra que o espetáculo de algumas pessoas queimadas em fogo brando, em grande cerimônia, é um segredo infalível para impedir a terra de tremer.


Tinha-se, em consequência, prendido um biscainho convencido de ter desposado a sua comadre, e dois portugueses que, comendo frango, tinham-lhe retirado o toucinho; vieram prender depois do jantar o dr. Pangloss e o seu discípulo Cândido, um por ter falado e o outro por ter escutado com ar de aprovação...Cândido foi surrado em cadência, enquanto se cantava; o biscainho e os dois homens que não quiseram comer toucinho foram queimados, e Pangloss foi enforcado, embora não fosse o costume. No mesmo dia a terra tremeu com um estrépito espantoso.”


O trecho acima do conto de Voltaire, “Cândido ou o otimismo” é uma das melhores analogias que se pode encontrar para a reforma administrativa, enviada ao Congresso pelo presidente de extrema direita, Jair Bolsonaro.


Ele anunciou a reforma no mesmo dia em que a economia tremeu com o anúncio da queda de 9,7 do PIB no segundo trimestre desde ano. Um auto de fé para acalmar o deus mercado, essa entidade onipotente e incorpórea que governa os rumos da economia e da política e à qual Bolsonaro, Paulo Guedes e outros prestam vassalagem.


A reforma, que irá ao Congresso em fatias,  pretende acabar com  a estabilidade do servidor público, prorrogar estágio probatório, acabar com a promoções e progressões por tempo de serviço, reduzir concursos, salários e carreiras e até juntar órgãos públicos e empresas privadas no mesmo espaço, com as empresas se beneficiando do que é público. No entanto, a reforma não afeta militares, juízes, parlamentares e nem membros do Ministério Público. Alguns juízes e membros do Ministério Público conseguem ter rendimentos de mais de R$ 100 mil por mês. Já no caso dos militares, o Ministério da Defesa tem a segunda maior folha de pagamento entre todos os ministérios, inclusive o da Educação. E para fazer o que mesmo? Enquanto isso, a grande maioria dos funcionários públicos brasileiros ganha pouco e mal. No caso dos servidores das prefeituras, de cada 100 funcionários, 61  recebem mensalmente entre um salário mínimo e dois salários e meio.


O governo diz e a mídia repercute cegamente que o país não tem dinheiro para pagar os servidores. Mentira. Quase metade do orçamento da União é consumido com juros e amortizações da dívida pública. Uma dívida que ninguém sabe quem fez e que nenhum governante quer auditar. A dívida é impagável. 


Recentemente Bolsonaro tentou, via decreto, começar a privatização do SUS a partir dos postos de saúde. Apanhou e recuou. Daqui há pouco tenta de novo.


O Brasil está assistindo a volta da fome, da queda em todos os indicadores sociais, a destruição ecocida do meio ambiente e um verdadeiro genocídio com mais de 156 mil mortos vítimas da Covid-19. Boa parte dessas mortes poderia ser evitada se o presidente e seus ministros agissem com o mínimo de responsabilidade.


O auto de fé da reforma administrativa visa acabar com o que resta da função social do Estado e levar milhões à fome, doença e a morte para garantir por mais alguns anos os lucros de um punhados de banqueiros e especuladores parasitas. Não vai dar certo.


E a terra, que não é plana, vai voltar a tremer.



Links com fontes: 

https://economia.uol.com.br/noticias/deutsche-welle/2020/09/03/servidor-ganha-demais-na-verdade-funcionalismo-e-desigual-como-o-brasil.htm

https://auditoriacidada.org.br/conteudo/grafico-do-orcamento-federal-2019-2/

https://auditoriacidada.org.br/conteudo/faixa-livre-fattorelli-pec-32-e-a-destruicao-do-estado-social-da-constituicao-de-88/



5 comentários:

Parahyba Kid disse...

Belo e contundente texto!

Anônimo disse...

Acredito que essa questão da dívida merece uma análise mais apurada. O que acha, Haroldo?

Flávio disse...

Boa camarada Haroldo você e simplesmente um gênio

Unknown disse...

Valeu, grande jornalista Haroldo! Gostei principalmente da analogia, que sugere e provoca a reflexão sobre a ação do Governo autoritário e demagogo quando está submetido aos interesses da classe dominante. Adorei!

nilce_ferreira@hotmail.com disse...

Excelente analogia! Aqui no Brasil, passados aproximadamente 5 séculos, o povo ainda padece nas mãos dos carrascos, que encarnam a alcunha de defenfores da família, da moral e dos bons costumes para aniquilar, oprimir e subjugar o povo trabalhador brasileiro.

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