Abrimos espaço no blog para artigo da jornalista Bárbara Viana. Ela analisa texto de Pepe Escobar, ainda não traduzido para o português e fala do dilema do mundo atual: continuidade da barbárie ou ruptura.
Uma matéria publicada na plataforma Strategic Culture Foundation assinada pelo jornalista independente Pepe Escobar visa analisar os movimentos da realpolitik global em relação ao pós-pandemia. Intitulada “Our Grim Future: Restored Neoliberalism or Hybrid Neofascism?” (Nosso futuro sombrio: neoliberalismo reformado ou neofascismo híbrido?) a análise do jornalista parte do espectro da Nova Grande Depressão que o mundo enfrentará e a perspectiva de elites e líderes mundiais de uma mudança radical na estrutura da economia política atual.
Citando Foucault, o analista aponta que as elites dominantes utilizarão todas as táticas disponíveis para a continuação de um disciplinamento de uma população recém-saída de seus cativeiros domiciliares, táticas conduzidas por estados e círculos empresariais e financeiros.
É o que o autor Byung-Chul Han expressa em seu livro recém-lançado “La desaparición de los rituales” (O desaparecimento dos rituais) como podemos ver no trecho mencionado: “Dominação representa liberdade. O Big Data gera um conhecimento dominador que permite a possibilidade de intervir na psique humana e manipulá-la. Considerando desta maneira, o imperativo de transparência dos dados não é uma continuação do Iluminismo, mas seu fim.”
Através de um aprimoramento das técnicas disciplinares e de punição em sentido foucaultiano, a pregação de que o neoliberalismo está no fim seria exagerada. Em vez de um mergulho simplista em um nacionalismo populista, o que se revela seria mais uma Restauração do Neoliberalismo com a incorporação de elementos keynesianos, pois, após o lockdown, o Estado será chamado a salvar os mercados e a iniciativa privada além de fomentar uma transição ecológica.
Fascismo
O fato de que podemos estar enfrentando neste momento uma profunda crise estrutural do capitalismo zumbi se arrastando através de “reformas” impopulares e um esquema de dívida sem fim acobertado por um efeito cosmético midiático ainda não foi abordado segundo o jornalista.
Segue-se com a citação de Eric Hobsbawn em seu livro “A Era dos Extremos”: “Os fascistas foram os revolucionários da contra-revolução”, para mostrar que a chave da direita fascista sempre foi a mobilização das massas.
O analista argumenta que podemos estar passando da fase do neofascismo bruto e chegando a um Neofascismo Híbrido, em que as estrelas políticas se curvam aos imperativos do mercado global enquanto utilizam a arena cultural para mudar a competição política. Para o jornalista, é disso que se trata o chamado “iliberalismo”: uma mistura entre neoliberalismo – que seria uma mobilidade irrestrita de capital e ditaduras de Bancos Centrais – e autoritarismo político. E é aqui onde encontramos Trump, Modi e Bolsonaro.
Do Antropoceno ao Capitaloceno
É no contexto de combate ao neoliberalismo zumbi que entra em cena o ecossocialismo, uma ruptura radical com a concentração de riqueza e os ditames do Deus Mercado. Opção para aqueles que sonham com um renascimento social-democrático, contra o neoliberalismo e o iliberalismo ultra-autoritário.
Para Pepe Escobar, tudo isso poderia ser visto como um resumo suave das análises de Thomas Piketty: a quebra do domínio do capital pela democracia econômica através do espírito da social-democracia de meados do século XIX. O jornalista também menciona o conceito de Comunismo de Luxo Totalmente Automatizado, um manifesto utópico do autor Aaron Bastani, onde é postulado que quando a sociedade se liberta de todo o supérfluo ligado à alienação é possível que se encontre os meios técnicos necessários para uma vida “de luxo” sem recorrer ao crescimento infinito imposto pela reprodução do capital.
É essa a ponte que liga o Antropoceno, conceituado pelo economista francês Benjamin Coriat, e o Capitaloceno.
O Capitaloceno significa basicamente que nosso estado atual de degradação planetária não estaria ligado a uma “humanidade” indefinida, mas a uma “humanidade muito definida, organizada por um sistema econômico predatório”.
Logo, a era do Antropoceno está imperativamente ligada ao sistema econômico hegemônico dos últimos dois séculos, período em que foi desenvolvido o sistema de produção e legitimadas práticas predatórias indiscriminadas. Então, chega-se ao ponto principal: para superar a atual economia de mercado, esta deveria ser reorientada e reconstruída partindo de um “big bang nas políticas públicas e econômicas”.
Já o Capitaloceno “descreve o capital como a raiz e o condicionador cruciais do atual sistema mundial”. E é essa luta contra os efeitos predatórios do capital mundial que vai determinar se poderão vingar ou não iniciativas ecossocialistas.
Para o analista, essa dinâmica reorientará a importância dos bens comuns, que não significam a oposição entre propriedade pública e privada, o que já consta nas análises de Coriat em relação à incapacidade de atuação do neoliberalismo frente as necessidades reafirmadas pela pandemia de Covid-19.
A pergunta lançada é “Como construir o ecossocialismo?”. Através de iniciativas colocadas em práticas em algum país distante e culturalmente fechado? Como seria possível a coordenação de inciativas como essas em um continente como a Europa? E como combater as estruturas já enraizadas dentro da União Europeia, como o fato de Hungria e Polônia ainda funcionarem como engrenagens na cadeia de suprimentos alemã? Como impedir que empresários como Bill Gates instrumentalizem instituições como a ONU e OMS em programas que se ajustam perfeitamente aos seus interesses? E como promover novas regras de comércio no âmbito da OMC?
Para o escritor, as regras de livre mercado atuais fomentam desmatamento em grandes extensões de florestas tanto na Ásia, na África quanto na América Latina, Brasil como perfeito exemplo. A compra de óleo de palma e soja transgênica incentivam a destruição dos ecossistemas também pelas nações ricas que adquirem esses produtos.
Revolução, não reforma
O texto proporciona uma reflexão final: mesmo que as catástrofes sanitária, social e climática sejam inequívocas, a matriz dominante composta pelos “Mestres do Universo” que administram o “cassino financeiro” não poderá evitar as tentativas de mudança.
As conhecidas estratégias de distração que utilizam a propaganda de uma “transição ecológica” já não mais ecoam na sociedade. Porém, é de se supor que o capitalismo financeiro é especialista em transformar as crises que provoca em lucros privados.
Uma atualização de maio de 68 deve contar com “L’imagination au Pouvoir”, sem esperar nenhum tipo de imaginação vindo de fantoches como Trump, Merkel, Macron ou Bolsonaro.
E aqui, mais uma vez o analista deixa claro que a realpolitik novamente turbinará uma estrutura capitalista pós-lockdown, em que o iliberalismo de 1% recheado de neofascismo e a turbo-financeirização bruta serão impulsionados através de exploração reforçada da força de trabalho que ainda oferece lucratividade, sendo os desempregados colocados à margem também de modo reforçado.
Esse turbo-capitalismo pós-lockdown pode ser reafirmado depois de quatro décadas de Thatcherismo ou “neoliberalismo hardcore”. Para o autor, infelizmente as forças progressistas ainda não dispõem de munição suficiente para reverter a lógica da concentração de renda nas mãos das classes dominantes, incluindo a estrutura política da UE e das corporações globais.
Frederic Lordon, pesquisador francês do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), afirma que a única solução seria uma Insurreição Revolucionária, o que a mídia corporativa empresarial e os mercados financeiros nunca permitirão.
Pepe Escobar conclui dizendo que esta é nossa atual escolha: a Restauração Neoliberal ou uma ruptura revolucionária. E sem concessões. Seria necessário alguém do calibre de Karl Marx para o desenvolvimento de uma ideologia ecossocialista no século XXI que fosse capaz de mobilização das massas e que possa se sustentar a longo prazo. “Aux armes, citoyens” (Às armas, cidadãos)!
Bárbara Viana, 1º de junho 2020.
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